A possibilidade de concessão do pedido de recuperação judicial por parte dos produtores rurais, enquanto pessoas físicas não registradas no Registro Público de Empresas Mercantis, sempre foi alvo de calorosos debates dentro do meio acadêmico, bem como da jurisprudência dos Tribunais brasileiros, notadamente diante da ausência de precedente por parte do Superior Tribunal de Justiça.
Toda controvérsia era construída sob o olhar criterioso do previsto no artigo 48 da Lei nº 11.101 de 2005 (Lei da recuperação judicial e extrajudicial e da falência do empresário e da sociedade empresária), a qual determina que o devedor, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 anos. E nesse mesmo sentido, o inciso V do artigo 51 da referida lei determina que “a petição inicial de recuperação judicial será instruída com certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores”
Desta forma, grande parte da jurisprudência sinalizava o entendimento de que somente seria cabível o pedido de recuperação judicial por parte do empresário rural quando esse estivesse registrado no órgão competente há mais de 2 anos.
Contudo, ao direcionar nesse sentido, a jurisprudência dos Tribunais brasileiros caminhava em sentido contrário à própria definição de empresário rural dentro do ordenamento jurídico. Isso porque a necessidade de inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, segundo a própria dicção do artigo 971 do Código Civil, consiste em uma mera faculdade do produtor rural, outrossim, deve ser compreendido que o ordenamento pátrio confere um tratamento diferenciado e mais favorável ao empresário rural.
Dada a importância que o agronegócio possui no país, uma vez que, somente no ano de 2019 o setor representou cerca de 21,4% do PIB brasileiro, o Superior Tribunal de Justiça, em um passado recente, precisamente em novembro de 2019, viu-se forçado a decidir acerca da possibilidade de conceder o benefício da recuperação judicial ao produtor rural não registrado na Junta Comercial pelo período mínimo de 2 anos.
Naquela oportunidade, o Superior Tribunal de Justiça, por meio de uma decisão apertada, 3×2, consolidou precedente de que a) o produtor rural que exerce atividade empresária é sujeito de direito da recuperação judicial; b) é condição para o requerimento da recuperação judicial pelo produtor rural a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, observadas as formalidades do art. 968 e seus parágrafos; c) a aprovação do requerimento de recuperação judicial pelo produtor rural está condicionada à comprovação de exercício da atividade rural há mais de dois anos, por quaisquer formas admitidas em direito; e d) comprovado o exercício da atividade pelo prazo mínimo exigido pelo art. 48 (lei 11.101/05), sujeitam-se à recuperação os créditos constituídos que decorram de atividades empresariais.
Esse entendimento foi visto como uma grande vitória para o setor do agronegócio brasileiro, especialmente para o produtor rural, enquanto pessoa física, haja vista que o entendimento elimina a insegurança jurídica, viabilizando, portanto, a recuperação judicial para os produtores rurais que atravessam dificuldades financeiras.
Assim, o produtor rural que exerce atividade empresarial há mais de dois anos e que se encontra em situação financeira precária, preenchendo os elementos que foram estabelecidos pelo Superior Tribunal de Justiça e que tenha interesse no soerguimento da sua atividade, deve buscar orientações com um(a) advogado(a) de sua confiança, para que ele faça uma análise do caso e, se cabível, implemente essa medida que pode trazer significativos benefícios para a gestão dos seus negócios.
Marcus Vinícius Ferreira de Jesus
OAB/SP 394.454