Como se sabe, a presença e a participação dos pais na vida de seus filhos é essencial para seu desenvolvimento saudável, e o descumprimento de tal obrigação configura verdadeira afronta ao quanto disposto no art. 227 da Constituição Federal, que assegura à criança e ao adolescente o direito à dignidade e à convivência familiar e os coloca a salvo de qualquer tipo de negligência, crueldade ou opressão.
Assim, o abandono afetivo caracteriza-se pela prática de condutas omissivas no cumprimento dos deveres morais decorrentes do poder familiar, como os deveres de fornecer educação, carinho, atenção e afeto, de modo que tal omissão pode vir a gerar prejuízos de ordem imaterial à prole e à formação de sua personalidade.
Considerando então que os deveres inerentes ao poder familiar não se restringem ao suporte material, muito tem se discutido se a ausência de cuidado também no âmbito afetivo geraria dano de natureza moral passível de indenização, em virtude de possíveis danos à dignidade e à formação psicológica da criança/adolescente.
Muito embora haja em nosso ordenamento corrente que entenda que a indenização nesses casos é indevida, pois supostamente pretenderia uma penalização pela “falta de amor”, o que não seria possível, a maioria dos julgados têm se dado em sentido contrário, entendendo que o abando afetivo trata-se de omissão que caracteriza ato ilícito passível de compensação pecuniária, devendo o sofrimento imposto à prole ser financeiramente compensado.
Todavia, o que se observa é que essa questão ultrapassa os limites de uma simples compensação financeira por falta de afeto ou, “falta de amor”, como alguns se referem, mas trata-se verdadeiramente de uma busca pela reparação do descuido para com a prole e pelo descumprimento dos deveres inerentes do poder familiar, situação essa que inquestionavelmente acaba acarretando abalos e danos à figura e ao desenvolvimento do menor.
Conforme citação da Ilustra Ministra Nancy Andrighi no julgamento de decisão inédita no STJ , “amar é faculdade, cuidar é dever”, de modo que não é possível obrigar alguém a amar quem quer que seja. Porém, a negativa em oferecer cuidado consistente em amparo e assistência moral, psíquica e afetiva, é deixar de atender às necessidades de alguém em prejuízo de sua formação moral e psicológica, muitas vezes implicando no desfazimento de vínculos previamente estabelecidos. E ignorar este dever de cuidado, decorrente do poder familiar, pode acabar desdobrando-se em ato ilícito passível de indenização.
Dessa forma, com a devida cautela para que não haja a monetização de qualquer ato que possa configurar abandono afetivo, inegável a necessidade de se tutelar os direitos de personalidade da criança e do adolescente, com consequências inclusive de ordem patrimonial para aqueles que adotarem comportamento negligente que impliquem em prejuízo ao desenvolvimento de nossas crianças.
Em virtude disso é que tal pleito vem sendo cada vez mais admitido por nossos Tribunais, de modo que, a parte que venha a se sentir lesada em razão de abando afetivo, pode pleitear em juízo indenização pelo dano de natureza moral suportado, sendo de extrema importância a consulta a um profissional de confiança e especializado na área, que poderá realizar um estudo prévio a respeito das particularidades e da viabilidade do caso.
Juliana Gonçalves Amâncio
OAB/SP 358.172
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